24 de novembro de 2011

A de São Paulo

Toda a rapidez e dinamicidade de São Paulo fica ainda mais evidente em situações adversas. O caos tem hora e som para começar: uma campainha, seguida de um anúncio:

- Atenção senhores usuários: devido a uma falha técnica, os trens estão circulando com velocidade reduzida e com maior tempo de parada.

Muito antes do anúncio, a lotação do lugar já evidenciava o problema. A estação República da Linha Amarela, normalmente tranquila mesmo no horário de pico, estava abarrotada de gente. Alguns, já cansados de esperar, estavam sentados nos bancos perto da parede. Muitos, no entanto, ainda tentavam entender o que estava acontecendo quando o anúncio foi repetido:

- Atenção senhores usuários: devido a uma falha técnica, os trens estão circulando... [voz ficou muito baixa]
- Os trens o quê? - alguém gritou.
- Só ouvi até "os trens estão circulando" - alguém respondeu. Porque nessas horas de desespero todo mundo se une.

E como! Por volta de 10 minutos depois, chegou o trem. Todo mundo unido lá dentro. E todo mundo tinha vindo de uma só estação, a Luz. Aí, todo mundo resolveu se unir pra tentar entrar no trem. Teve até quem entrasse de costas, apoiando-se às barras de ferro pra empurrar toda aquela união com mais força. Eu não consegui entrar, é claro. Então fiquei ali, olhando a multidão em volta. Muita gente tirando foto, muita gente com pressa, cansada... E o pior é que, se em situações normais as pessoas já estão com pressa, em situações de "falha técnica" elas ficam em pânico absoluto. E isso as faz agir de modo muito, muito estranho.

Algum tempo de espera depois, passou outro trem, igualmente lotado. Eu já tinha desistido de entrar nesse também quando três mulheres resolveram sair - não tava fácil ficar naquele aperto com o trem parado há um tempão. Então, como num piscar de olhos, entrei. Alguém resmungou:

- Aí ó, saíram três e entraram dez.

Paciência. Todo mundo queria chegar em casa. O trem fechou. Um tempinho além do normal passou com as portas fechadas e o trem parado. Silêncio. Até que ele andou.

- AEEEEEEEEE!! - gritou um grupo.

E como a alegria dos menos favorecidos dura extremamente pouco, chegou a estação Paulista. Parecia dia de final de Copa do Mundo, em uma sexta-feira à noite, com distribuição gratuita de Itaipava pra quem chegasse primeiro - só que isso valia tanto pra quem queria entrar quanto pra quem queria sair do trem, então imagine o choque de interesses em tão pequeno espaço. E eu ali no meio, tentando não ser arrastada pra fora.

Ao mesmo tempo em que tudo isso acontecia extremamente rápido, o mesmo grupo do "aeee" gritava "Olha o rapa, olha o rapa, olha o rapa!!!", o que contribuía para que a cena tivesse um quê de cômica - embora, naquele momento, eu não estivesse vendo nada de engraçado.

Em menos de cinco segundos, quem precisava sair, saiu, e quem precisava entrar, entrou. Quer dizer, quem conseguiu entrar. As portas se fecharam e em pouco estávamos em uma nova estação: Faria Lima. Caos reinando novamente com o mesmo conflito de interesses: sai que eu quero sair, dá licença que eu quero entrar. Os funcionários da Via Quatro começaram a anunciar, repetidamente:

- Senhores usuários, favor não segurar as portas.

E ninguém ouvia. Dá licença que eu quero entrar. Anunciaram mais uma vez:

- Atenção senhores usuários, a situação está sendo normalizada aos poucos, mas pedimos por gentileza que não segurem as portas.

Lalaalala, dá licença que eu quero entrar, até que ouviu-se uma voz desesperada no anúncio:

- Senhores usuários, favor NÃO SEGURAR AS PORTAS!!!
- Ihhh, ficou nervosinha... - respondeu um membro do grupo do "aeee".

Silêncio. As portas se fecharam. O caos estava finalmente controlado. Pouco depois, chegávamos à estação de interesse de 99% da multidão que se aglomerava aos pisões e empurrões naquele trem que, glória a Deus, tinha ar condicionado: Pinheiros.

- E agora, como faz pra descer?? - desesperava-se uma senhora ao meu lado. A essa a altura eu já estava do outro lado do trem.

Mas eles saíram. Foi assustador. Lembrei daquele programa do Sérgio Malandro, "A Porta dos Desesperados". Só que ao invés de um monstro correndo atrás da criancinha, não tinha nada; era só a porta se abrindo. A liberdade. O ar. A paz.

Duas moças entraram assustadas, como se não soubessem o que se passava, segurando afoitamente suas mochilas. Consegui sentar. Tinha só mais uma estação pela frente, mas pouco importava. O cansaço daquela meia hora de stress foi maior do que o do dia todo. Que situação...

Cheguei à conclusão de que São Paulo me assusta demais. As pessoas ficam em pânico com uma velocidade diretamente proporcional à velocidade da própria cidade, e o pânico só vai aumentando conforme elas ficam sem informações, sem comida, água, lugar para sentar, ar. Por fim, elas são libertadas daquele sufoco como uma manada de elefantes que escapou de virar almoço de leões. E fica a sensação de que a qualquer momento, quando menos se esperar, a campainha vai soar novamente.

7 de agosto de 2011

A da formatura

Chegando ao fim de um curso que eu resisti em fazer por algum tempo, me lembrei de um professor que tive. Em 2005, ainda no colégio, eu faltei algumas sextas-feiras para assistir com meu namorado às aulas de Literatura do famoso FT, Fernando Teixeira, no Curso Objetivo da Av. Paulista. Eu queria ter o gostinho de ter aula com aquele fenômeno porque estava convencida de que, naquele ano, eu iria entrar em Jornalismo e não precisaria fazer cursinho, então tinha que aproveitar para ter uma boa aula de literatura algum dia.
"Bom dia, seus mal educados!"
O saudoso FT, no entanto, acabou sendo meu professor em 2006, porque, apesar da enorme força de vontade, não passei no vestibular. Junto com o trauma de não entrar em um curso concorrido e de poucas vagas, veio a explosão: “Antes tivesse prestado Letras!!” Era só da boca pra fora, é claro. O que é que alguém faz com um diploma de Letras? Dá aula?
Depois de algumas aulas com o FT, acabei me convencendo que não era assim tão má ideia prestar Letras, pelo menos na Fuvest. Nas outras faculdades, eu ainda iria prestar Jornalismo. E então, os meses foram passando, a paixão pela literatura foi crescendo... até que me encontrei nas aulas sobre Machado de Assis – ainda, porém, sem querer admitir que minha futura profissão seria professora - que destino assustador! E se eu fizer Letras primeiro e depois fizer Jornalismo?

Quando subi as escadas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH) pela primeira vez, em 2007, o FT me veio à cabeça:
“Seu pai te promete um carro se você passar na USP. Você, todo orgulhoso chega para ele: ‘Pai, passei, me dá um carro?’ Seu pai responde: ‘Mas... Letras??? ’”
Eu não sabia bem o que estava fazendo ali. E nunca soube. Meu curso tem uma nota de corte baixa, recebe 850 novos alunos todo ano, o prédio é um dos mais decrépitos da USP, enfrentei umas 3 greves nos últimos 4 anos – incluindo a famigerada invasão à reitoria e a terrível visita da PM ao campus – e muitas, muitas aulas interrompidas para “um recado” do pessoal filiado ao PSTU, ao PCO, a não sei que grupo. Não há grandes motivos para orgulho a não ser o fato de que, apesar de tudo, é USP. Mas parece que eu não era mesmo a pessoa certa para fazer Jornalismo. As línguas e literaturas fazem parte de mim, sempre fizeram. Talvez um outro curso, uma carreira diferente, me faria bastante infeliz.
Tive muitos professores de literatura na FFLCH. Alguns picaretas, alguns meia-boca, outros que eram verdadeiras atrações que lotavam as maiores salas de aula da faculdade, como acontecia com o FT no Objetivo. Mas nem o melhor professor da FFLCH dá aula com tanta vontade quanto o professor Fernando Teixeira deu. Ele que, com câncer em estágio avançado e fortes dores, morreu no dia seguinte àquele em que deu 18 horas de aula sem parar – porque queria, não porque precisava. Ele, que não aceitava uma licença médica para se tratar. Ele que, formado em Direito, sabia versos e mais versos dos Lusíadas, passagens e mais passagens de Brás Cubas de cor mesmo sendo totalmente autodidata em literatura.
Hoje tenho um bom emprego, em uma boa empresa. Trabalho com Educação, mas não sou professora, ao contrário do que o senso comum diz sobre quem faz Letras. Não tenho o mesmo salário nem o mesmo prestígio de quem fez Medicina, Direito ou Engenharia, mas estou feliz com o rumo que minha vida tomou. E agradeço ao FT por ter me mostrado esse caminho.

Digo com o orgulho de quem esperou por isso a vida inteira: me formei na USP.

23 de janeiro de 2011

Um ano

E nem tive tempo de dizer tchau.

Vasculho os álbuns atrás de fotografias. Onde estão as fotos? Não as tenho. Só as velhas imagens de uma infância tão vibrante, e em muito graças a ele. Fotos recentes não há porque há tempos ele andava triste, cabisbaixo... me perguntava se ele não gostava mais de mim. Talvez porque eu cresci, não sei. Ele tinha passado por muita coisa, tinha direito de estar infeliz e querer ir embora. Mas queria ao menos ter tido um pouco mais de tempo, queria que ele estivesse presente em minhas conquistas. Seria querer demais?

Ele pode não ter sido o pai ou o marido mais perfeito do mundo (é bom sermos justos). Mamãe se queixava de sua severidade, vovó brigava o tempo todo. Mas como avô, ah... do que reclamar? Quando criança, minhas amigas gostavam mais dele do que de seus próprios avós. Também, pudera: que avô traria tantos doces, faria tantas brincadeiras, divertiria tanto? Eu morria de ciúmes... Tive tanta sorte! Mas queria ter tido só um pouco mais. Seria muito pedir só mais alguns anos?

Um ano. Passou depressa. Ficou o arrependimento de ter dito pouco. De não dizer o quão importante ele era, o quanto o amava, o quão feliz fui e o quão grata sou por tudo o que ele fez. Ele sabia? Espero que sim. É que sempre foi muito mais fácil escrever do que falar.

Por isso deixo registrado: tenho saudade, vôzinho. Não precisava ter sido assim. Mas agradeço por tudo e tento me conformar pensando que foi melhor. E a cada novidade, penso: ele estaria feliz por mim. E é assim que espero que ele esteja: feliz, tranquilo... respirando o ar do campo.

20 de janeiro de 2011

Por que eu odeio brasileiros


A retomada deste blog.

Não, não digam que não sou patriota, que não gosto do meu país, do meu povo. Isso não tem nada a ver com patriotismo, mas com bom-senso. Admitam: em geral, brasileiros são chatos. E você percebe isso quando se distancia da grande massa de brasileiros que vê todos os dias e se aproxima de uma minoria um pouco mais abastada.

Faça uma viagem internacional pra comprovar. Pode ser pela CVC, Estela Barros, sei lá. Vá pra Miami, escala de todo mundo que vai “pra Disney”. Famílias inteiras: crianças, bebês, avós... Fique no aeroporto observando os brasileiros.  Todo mundo com a sacola Victoria’s Secret  Semi Anual Sale e Disney Store, com cobertorzinho do Mickey dentro, pra não passar frio durante o voo. Fique lá, sentadinho, esperando seu voo por algumas horas e observe como os brasileiros, que vão chegando ao gate para voltar para São Paulo (porque o Brasil todo tem que passar por São Paulo nessas horas, mesmo), se comportam de maneira chata.


Tem o brasileiro Novo Rico:

- Oi, pai, é o Paulo. É, eu to aqui EM MIAMI [gritando]. Vim com o PASSAPORTE VERMELHO, ITALIANO. A Luísa ficou lá em São Paulo, a Gabi não tá muito bem. Ela vai levar ela no ALBERT EINSTEIN [curioso é que o cara grita, mas nenhum americano sabe que o Einstein é hospital de gente rica, logo, pra quê???]. Uhum. Tá, eu ligo quando chegar, to com meu IPHONE. Uhum. Tá, tchau.

Tem o brasileiro adepto ao golpe do Green Card:

- Oooooi, Diiii!! Tô em Los Angeles ainda! Menina, você não sabeeee! Eu tava em Las Vegas com o Braaaandon, sabe? O Braaandonnn! Meu namorado! Então, a gente tava lá porque ele foi fazer uns trabalhos, sei lá direito o que ele ia fazer, aí eu fui junto! E a mãe do Braaaaandonnn me deu 100 dólares pra gastar no cassino. 100 dólares!! Aí eu fui lá jogar, né? Ganhei 900 dólares, menina!!! Dei um pouco pra mãe do Braaaandon, né, afinal se ela não me desse os 100 dólares eu não teria jogado. E menina, eu comprei um iPad! Comprei não, né, o Braaaaandon me deu. O iPad faz tudo, menina, você precisa ver. Faz tudo! Ai, o Braaandon tá sendo tão bom pra mim...

Tem o brasileiro que adooooora formar fila (todos):

- Vai, Juliana, vai lá pra fila que já vão começar a chamar.
- Mas que fila, pai?
- Ué, fica lá na frente, pra ser a primeira!
- Mas chamam por grupo, pai! Que grupo a gente é?
- 15. Mas tudo bem, fica lá que daqui a pouco a fila começa e se a gente não tiver lá a gente não consegue embarcar, vai, vai lá.

Tem os brasileiros teimosos:

- Ladies and gentlemen, there are still some people standing in the aisles, so we’re waiting for you to seat down and close the baggage compartments so we can leave the gate.
 

- Senhores paxageiros, ainda há pessoas em pé no... corredor, estamos a esperar vocês se sentarem –se então a gentche poderá partir do portão.

- Mano, será que não cabe essa mala aqui? [Tentando enfiar uma mala enorme no compartimento do avião]
- Ah, vai ter que caber, né!
- Sir, may I help you?
- Ãhn?
- English?
- Não.
- Português? OK. O senhor precisa despachar essa mala.
- Por que?
- Porque ela não se encaixa no tamanho estabelecido, senhor. Vamos, eu ajudo.
- Mas eu queria viajar com ela, porque tem coisas que eu posso precisar aqui.
- Nós avisamos antes do embarque: o senhor só pode levar na cabine as malas que cabem no compartimento ou embaixo do banco.
- Embaixo do banco? Mas num cabe!
- Então vamos ter que despachar.
- Não, não, peraí, vai caber! [Espreme todas as malas do compartimento e empurra a mala enquanto fecha a “portinha”] Viu? Falei que ia caber!


E tem as crianças brasileiras, durante o voo:

- Ô MÃÃÃÃÃÃÃÃÃE! Olha, peguei água!!

- Ô MÃÃÃÃÃÃÃÃÃE! Olha, peguei pão!!

- Ô MÃÃÃÃÃÃÃÃÃE! A gente tá chegando?

- Ô MÃÃÃÃÃÃÃÃÃE! Já ligou pro papai?

- Ô MÃÃÃÃÃÃÃÃÃE! Tô ligando, tá? PAAAI! OOOOI! A GENTE ACABOU DE POUSAR, TÁ? É, A GENTE VAI PEGAR O AVIÃO PRA IR PRA BRASÍLIA DAQUI A POUCO. SIM, VI O PLUTO, O PATETA E A MINEI (sic). UHUM. É, TÁ BOM. BEIJO!


Chegando a São Paulo, eles seguem por suas filas, ocupam toda a esteira com carrinhos que impedem a passagem de qualquer ser humano que queira achar suas malas, param no “free shop”, pegam mais filas para pagar, compram mais Victoria’s Secret e saem pelo desembarque pulando de alegria: “Eeee, chegamos na nossa terraaa!”.

Grande coisa.