28 de março de 2010

A da igualdade, queima de sutiãs e outras anedotas

Estava lendo um artigo da Newsweek sobre uma garota chamada Jesse. Seu nome em si já foi uma tentativa de seus pais de fazê-la pertencer a um gênero "neutro". "Não tinha Barbies, tinha blocos de madeira", descreve ela. E conta como foi sua infância com um cabelo tigelinha e roupas nada femininas - até ela começar a falar e exigir um vestidinho rosa com um grande laço.

Sobre um assunto parecido fala o podcast da WNYC, relembrando os 40 anos de um processo movido por funcionárias da própria Newsweek. Na época, todas elas eram restritas à área de pesquisa, a mais baixa da revista, enquanto os homens ocupavam, além dos cargos mais altos, também as posições de repórteres e redatores. Depois de dois processos, elas conseguiram conquistar os cargos antes inalcançáveis.

Ainda hoje, nem tudo são flores na Newsweek. No podcast, uma redatora sênior mostra que das mais de 120 matérias de capa feitas, apenas 6 foram escritas por mulheres e, das 6, 3 foram co-escritas por homens, então apenas 3 são de completa autoria de repórteres e redatoras do sexo feminino.

O podcast serviu para que eu visse que a realidade lá nos EUA não é diferente da daqui do Brasil, como é de se imaginar. Nas duas últimas empresas em que trabalhei, os homens ocupavam os cargos de gerência para cima, com uma ou duas exceções. A maioria das mulheres gestoras eram coordenadoras ou supervisoras. Até o RH, área normalmente "feminina", era gerenciada por um homem.

Com sorte, porém, vejo que minha atual empresa está no caminho certo: Marjorie Scardino, a CEO global da Pearson, é apontada pela Forbes como a 17ª mulher mais poderosa do mundo. Uma mulher no comando de uma grande multinacional. Na Pearson Brasil, temos diretoras mulheres, inclusive na área Financeira e de TI, onde normalmente concentram-se homens. Temos mais editoras do que editores, mais designers instrucionais mulheres do que designers instrucionais homens etc. e tal. Mas será que essas diretoras, ou mesmo a poderosa Marjorie estão ganhando o mesmo do que ganhariam se fossem homens? Essa é a pergunta que não sei responder, porque não sei quanto elas ganham, obviamente.

No artigo da Newsweek, Jesse comenta que sua mãe pertenceu à 2ª geração de feministas: a que tentou igualar os sexos não apenas em direitos - como fez a 1ª geração, conquistando o direito ao voto, por exemplo - mas também em aparência. Era a geração que considerava que os gêneros eram apenas uma questão de criação, de berço, e que isso poderia ser neutralizado, como ela tentou fazer com a filha. É provável, mas pode ser que eu esteja bem enganada, que a frase de Simone Beauvoir, "Não se nasce mulher, torna-se mulher", sobre a qual comentei no post anterior, tenha sido inspiração para essa 2ª geração de feministas.

Felizmente, pertencemos à 3ª geração: a que admite a convivência do salto alto e da maquiagem com a inteligência e perspicácia necessárias para conquistar posições, salários e condições ainda não conquistados com o mesmo sucesso do direito ao voto. Apesar disso, é comum, e já foi tema de posts anteriores, a menção de frases como "Não sou feminista, sou feminina". Por que, se essa é uma questão tão anterior à geração das mulheres que mencionam esse tipo de pérola?

Mais uma navegada no blog feminista da Newsweek me surpreende: a famosa queimada de sutiãs jamais ocorreu. O que aconteceu foi que haveria uma fogueira "cerimonial" na frente do concurso de Miss America 1968 em Atlantic City, mas, não havendo permissão para a tal fogueira, as manifestantes decidiram jogar alguns símbolos opressores - como sapatos de salto alto, maquiagem e sutiãs - na chamada "Freedom Trash Can". Um jornalista do New York Post, que não sabia que a fogueira tinha sido cancelada, acabou escrevendo:

"Lighting a match to a draft card has become a standard gambit of protests groups in recent years, but something new is to go up in flames this Saturday. Would you believe a bra burning?"
Ou seja, sutiãs nunca foram queimados por nenhuma feminista, apenas jogados no lixo como protesto a um concurso de Miss America, que todos sabemos tratar-se da situação mais ridícula já inventada e que ainda acontece todos os anos.

Nossas bases, portanto, estão todas bagunçadas: passaram-se já 2 gerações e ainda o associamos a um evento que jamais ocorreu. Continuamos ouvindo frases ridículas e sem sentido sobre a igualdade, como se hoje em dia alguma mulher declaradamente feminista neste mundo tivesse a obrigação de se transformar em um homem para aderir ao movimento. E ainda aturamos uma indústria do padrão de beleza que vai dos concursos de Miss, passando pelos reality shows e chegando à Playboy.

A saída? Darwin aponta. A seleção natural é eminente: sobreviverão aquelas cujo poder for maior do que o limite de cartão de crédito do marido. Falo de poder intelectual, é claro. As demais, podem continuar renegadas por alguns anos às posições mais inferiores da cadeia feminina, posando nuas e sustentando o mercado de revistas femininas e programas vespertinos da TV. Mas elas desaparecem, eventualmente. Felizmente.

8 de março de 2010

A do Dia Internacional da Mulher

Já fiz diversos posts comemorativos ao Dia Internacional da Mulher nos mais diversos blogs dessa vida, mas nunca deixo de fazer outro porque considero a data realmente importante, apesar da grande banalização.

Explico. Houve o tempo em que a TV se ocupava de belas entrevistas, fornecidas pelas mais variadas donas de casa desse país, comentando como “cuidar da casa, do marido e dos filhos é tão difícil quanto trabalhar fora”. Nessa mesma época o varejo fazia ótimas promoções de panelas, eletrodomésticos e móveis de cozinha.

Hoje conquistamos um espaço mais realista nessa “mídia comemorativa”. Todos já têm plena consciência de que pouquíssimas mulheres são meras donas de casa (sem querer desmerecer o trabalho delas, mas, come on...). As propagandas têm toques de independência, reconhecem a complicação que é sair correndo de um lado pro outro com trabalho, marido, filhos, casa etc e tal.

Mas, infelizmente, ainda existe aquela pitada de sexismo quando se referem à mulher que precisa ir ao shopping e ao salão de beleza com frequência e não consegue em meio às suas atividades diárias.

Um momento de reflexão, por favor. Shopping? Salão de beleza? Estou para conhecer a mãe de família que tem tempo e que cogita gastar tanto dinheiro pra manter-se em atividades desse tipo com frequência. Pior ainda é a imagem da mulher que sequestra o cartão de crédito do marido para fazer “comprinhas”. Se vocês conhecerem alguém assim por favor me avisem: essa laranjinha podre precisa receber umas lições de Simone de Beauvoir.

Porém, a importância da data é justamente a reflexão. Onde chegamos? Onde queremos chegar? É suficiente ter liberdade para trabalhar nos mesmos cargos que os homens?

Uma rápida pesquisa no Salariômetro já nos mostra que não. Mesmos cargos, salários diferentes. E o tempo de licença maternidade e todas as injustiças que as mulheres acabam sofrendo nas empresas porque precisam cuidar de seu recém-nascido? Tudo isso precisa ser pensado. Sufrágio feminino não é apenas o direito ao voto e ao trabalho. O verdadeiro sufrágio é o respeito e a plena igualdade de direitos que só a consciência de cada um(a) poderá nos oferecer.

Enquanto isso, esteja a par de seus direitos como mulher e procure exercê-los sem querer tirar vantagem de tudo o que puder. Abra os olhos para slogans como “Independente sem deixar de ser mulher” – ninguém deixa de ser mulher se tentar ser independente. E, aliás, como dizia Beauvoir, “Não se nasce mulher, torna-se mulher” – mas isso fica para um outro post, quem sabe.