a tênue linha (maldita linha) que separa a vida e a morte. Deixou uma multidão - bem grande mesmo - de familiares e amigos surpresos, inconformados em ver aquela pessoa alegre e brincalhona sem mais o mesmo brilho no olhar.
Deixou meu coração sem consolo, lembrando dos anos cheios de doces, músicas, pescarias, risadas... Da carroceria da Saveiro vinho, dos balanços especialmente construídos para nós, da piscininha improvisada, das fogueiras de São João, dos fogos de Reveillon... E da calça branca boca de sino que ele não usou esse ano - só esse ano - porque disse, rindo, que não estava servindo mais.
Deixou lembranças alegres como ele. E saudade.
Obrigada por tudo, vô querido. Vê se agora descansa, tá?
25 de janeiro de 2010
24 de janeiro de 2010
A de São Paulo
Em São Paulo, você certamente ouve pelo menos uma vez ao dia pessoas reclamando do trânsito e fazendo planos de mudança para o interior, exterior, ou qualquer outro lugar em que tenham uma vida mais tranquila. Pelo menos 90% delas não cumprem nada.
Difícil explicar porque todo esse caos é tão necessário em nossas vidas. Não há cidades melhores para morar no país? Todo mundo fala do bom planejamento de Curitiba, da qualidade de vida do Rio... por que ninguém vai pra essas cidades e deixa São Paulo um pouco mais vazia, com menos trânsito e menos lotação no transporte público, mais vagas de emprego e menos sujeira?
Porque todo mundo precisa dos salários mais altos pagos em São Paulo - e das empresas que estão aqui pagando esses salários - que, pior de tudo, nem são tão grande coisa assim. E porque, por mais estranho que possa parecer, temos uma verdadeira obsessão por essa cidade bizarra, que convive com Morumbi e Itaquera de modo tão estranho.
Admita, você gosta de contemplar a Av. Paulista de vez em quando enquanto pensa "Olha só, nossa Wall Street, que bonita...", entre uma buzina e outra. Ou de olhar pro Ibirapuera e pensar que ele até que é parecido com o Central Park, que a Ponte Estaiada é a nossa Golden Gate - e o fato de o Pinheiros River não ser a San Francisco Bay é mero detalhe.
São Paulo tem esse quê de primeiro mundo dentro do Brasil, um pedaço que não se encaixa no resto, de tão grande e caótico, esbanjando beleza e pobreza entre tão poucos quilômetros. Um lugar tão miscigenado quanto algumas cidades canadenses, mas que não teve nenhuma estrutura e planejamento para receber todo mundo, já que a ideia era "dar uma esbranquiçada" por aqui com sangue alemão. E aí a gente fica assim, vendo favela e Alphavile (que não é São Paulo, mas é como se fosse), um do lado do outro.
Não vamos embora. Temos orgulho do sangue paulista-italiano-alemão-espanhol-português-árabe. Gostamos de ir pra nossa China Town aos domingos, pra nossa Little Italy nas quintas-feiras... Gostamos da camada de poluição que forma o céu alaranjado do fim de tarde seco, das voltinhas no shopping confortável que nos abriga durante as enchentes...
Não é que gostamos do caos. Mas também não podemos viver sem ele.
É isso aí, São Paulo, 456 anos, nenhuma perspectiva de melhora, e continuamos aí com você. Não mude, viu?
Difícil explicar porque todo esse caos é tão necessário em nossas vidas. Não há cidades melhores para morar no país? Todo mundo fala do bom planejamento de Curitiba, da qualidade de vida do Rio... por que ninguém vai pra essas cidades e deixa São Paulo um pouco mais vazia, com menos trânsito e menos lotação no transporte público, mais vagas de emprego e menos sujeira?
Porque todo mundo precisa dos salários mais altos pagos em São Paulo - e das empresas que estão aqui pagando esses salários - que, pior de tudo, nem são tão grande coisa assim. E porque, por mais estranho que possa parecer, temos uma verdadeira obsessão por essa cidade bizarra, que convive com Morumbi e Itaquera de modo tão estranho.
Admita, você gosta de contemplar a Av. Paulista de vez em quando enquanto pensa "Olha só, nossa Wall Street, que bonita...", entre uma buzina e outra. Ou de olhar pro Ibirapuera e pensar que ele até que é parecido com o Central Park, que a Ponte Estaiada é a nossa Golden Gate - e o fato de o Pinheiros River não ser a San Francisco Bay é mero detalhe.
São Paulo tem esse quê de primeiro mundo dentro do Brasil, um pedaço que não se encaixa no resto, de tão grande e caótico, esbanjando beleza e pobreza entre tão poucos quilômetros. Um lugar tão miscigenado quanto algumas cidades canadenses, mas que não teve nenhuma estrutura e planejamento para receber todo mundo, já que a ideia era "dar uma esbranquiçada" por aqui com sangue alemão. E aí a gente fica assim, vendo favela e Alphavile (que não é São Paulo, mas é como se fosse), um do lado do outro.
Não vamos embora. Temos orgulho do sangue paulista-italiano-alemão-espanhol-português-árabe. Gostamos de ir pra nossa China Town aos domingos, pra nossa Little Italy nas quintas-feiras... Gostamos da camada de poluição que forma o céu alaranjado do fim de tarde seco, das voltinhas no shopping confortável que nos abriga durante as enchentes...
Não é que gostamos do caos. Mas também não podemos viver sem ele.
É isso aí, São Paulo, 456 anos, nenhuma perspectiva de melhora, e continuamos aí com você. Não mude, viu?
3 de janeiro de 2010
A do trágico, a do cômico
Como estou abandonada em SP desde ontem, condenada aos freelas intermináveis que, quando terminam provisoriamente, me deixam sem nada para fazer, resolvi rever um filme do Woody Allen que adoro: “Melinda e Melinda”.
“Melinda e Melinda” é um dos novos de Allen, porém foi filmado antes de “Scoop” e “Match Point” (só não sei ao certo o ano). Quem diz que o velhinho está perdendo seu toque se surpreende com esse filme, com toda a certeza. Todo o argumento se passa em um jantar entre amigos, quando dois diretores teatrais discutem uma história que um deles ouviu tempos atrás. Um dos diretores acha que a história deve ser contada como uma tragédia; o outro, que deve ser uma comédia. E assim as duas histórias se intercalam, hora com ênfase na parte dramática, hora com ênfase na parte cômica.
De início, essas intercalações são mediadas pela própria narração dos diretores, até para que seja possível acompanhar com mais facilidade que história é qual. Com o tempo, memorizamos os atores de cada história (que são diferentes) e Allen deixa que os cortes tomem conta de cada uma das narrativas.
O que é interessante é que em cada história existe um mesmo fato que toma rumos diferentes quando visto sob outra perspectiva. Essas diferenças no modo como cada coisa é encarada fazem com que cada personagem tenha um destino distinto em cada uma das abordagens. Mas é impossível não notar que a narrativa cômica tem seus momentos trágicos, assim como a narrativa trágica tem seus momentos cômicos.
Já fazia tempo que não assistia a “Melinda e Melinda”. Dentro das limitações de um domingo solitário e cinzento, posso dizer que foi uma ótima escolha. E não deixa de ser um alerta a todos nós, neste começo de ano: em nossas vidas, o trágico e o cômico convivem o tempo todo. A diferença toda está no olhar.
“Melinda e Melinda” é um dos novos de Allen, porém foi filmado antes de “Scoop” e “Match Point” (só não sei ao certo o ano). Quem diz que o velhinho está perdendo seu toque se surpreende com esse filme, com toda a certeza. Todo o argumento se passa em um jantar entre amigos, quando dois diretores teatrais discutem uma história que um deles ouviu tempos atrás. Um dos diretores acha que a história deve ser contada como uma tragédia; o outro, que deve ser uma comédia. E assim as duas histórias se intercalam, hora com ênfase na parte dramática, hora com ênfase na parte cômica.
De início, essas intercalações são mediadas pela própria narração dos diretores, até para que seja possível acompanhar com mais facilidade que história é qual. Com o tempo, memorizamos os atores de cada história (que são diferentes) e Allen deixa que os cortes tomem conta de cada uma das narrativas.
O que é interessante é que em cada história existe um mesmo fato que toma rumos diferentes quando visto sob outra perspectiva. Essas diferenças no modo como cada coisa é encarada fazem com que cada personagem tenha um destino distinto em cada uma das abordagens. Mas é impossível não notar que a narrativa cômica tem seus momentos trágicos, assim como a narrativa trágica tem seus momentos cômicos.
Já fazia tempo que não assistia a “Melinda e Melinda”. Dentro das limitações de um domingo solitário e cinzento, posso dizer que foi uma ótima escolha. E não deixa de ser um alerta a todos nós, neste começo de ano: em nossas vidas, o trágico e o cômico convivem o tempo todo. A diferença toda está no olhar.
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