5 de julho de 2010

A do sorriso multiuso

Outro dia estava comentando com alguns amigos sobre as utilidades do sorriso multiuso. Todo mundo sabe qual é – aquela leve curvadinha de boca no melhor estilo Bill Murray, que você pode usar nas mais diversas situações:

A: Desculpe, mas infelizmente você não tem o perfil que estamos procurando.
B: [Responde com o sorriso multiuso querendo dizer “Não faz mal, nem queria trabalhar nessa espelunca mesmo...”]

A: Feliz aniversário! Tá aqui seu presente.
B: [Abre o pacote]
A: Gostou? Achei a sua cara!
B: [Faz o sorriso multiuso que, nesse caso, quer dizer “Você acha que tenho cara de merda?”]

No mesmo dia, pude provar minha teoria sobre as multiutilizações do sorriso em uma nova ocasião: conversinhas de ônibus.

Situação: B decidiu não ligar seu mp3 player porque já ia descer do ônibus, mas sentou na janela para ficar apreciando a bela vista do Bairro do Limão. Eis que se senta ao seu lado um certo moço A, com sobrancelhas de taturana e camiseta do Palmeiras. É importante notar que B estava usando vestido preto, cinto vermelho e meia-calça de bolinhas, porque B tem muito bom gosto.

A: Desculpa perguntar, mas, qual é o seu estilo?
B: Ãhn?
A: Qual é o seu estilo? Que música você curte?
B: É... [tentando pensar em que resposta dar para terminar aquela conversa] Rock.
A: Você é emo?
B: Não!
A: Mas que tipo de rock você curte? Pesado ou romântico?
B: [Como explicar???] Pesado.
A: Ah, da hora. Tem  uns que não dá nem pra entender né? Mas, tipo, Metallica é mó da hora.
B: [Continua olhando pela janela]
A: Você não curte?
B: Não.
A: Então você curte o que?
B: [Eu devia dizer que curto a banda do meu namorado campeão de luta livre] Ramones.
A: Ramones? Da hora. Red Hot Chilli Peppers que é da hora também. Meu pai que gostava.
B: [Olha para as unhas]
A: Menina com esse seu estilo fica mó linda. Pena que a maioria é metida.
B: [Faz o sorriso multiuso]
A: Você não gosta muito de conversar com estranhos, né?
B: Não muito.
A: Percebi.

E fim da conversa.

Vejam como o sorriso multiuso opera milagres. Quando parecia não haver mais saída, você vira pro sujeito, mantém sua boca fechada e levemente curvada, mentaliza o que quer dizer e POFT, o sujeito entende a mensagem: “Não quero conversar com você, me deixe em paz”.

Desde então decidi adotar o sorriso multiuso de vez. Já é quase uma filosofia de vida, e ele está praticamente me transformando em uma mestra zen: não me estresso, não preciso me preocupar com palavras gentis para dizer o que penso sem magoar os outros. O sorriso multiuso simplesmente faz todo o trabalho por mim.

Tava pensando até em montar a Congregação dos Sorrinistas, mas é melhor manter o segredo do sorriso multiuso bem guardado. O mundo já é cheio de pilantras, imagine se esse segredo cai em mãos maldosas. Não, vamos esquecer esse sorriso e buscar outra saída para situações embaraçosas.

"Ah, peraí, meu celular tá tocando. Alô?"

25 de abril de 2010

A do Alice

Uma das coisas que mais gosto no Tim Burton, diretor dos memoráveis Peixe Grande e Beetlejuice, é a capacidade de criar filmes fantásticos para adultos. É fácil fazer filmes fantásticos para crianças - afinal, as animações estão aí para isso. Mas a perspicácia de Burton sempre foi o sombrio cômico, que diverte e encanta como qualquer criança fica encantada com um conto de fadas.

Com Alice no País das Maravilhas, para a minha surpresa, não foi diferente. Esperei bastante tempo pelo filme. E, do anúncio de uma provável produção em parceria com a Disney até as datas de estreia, fiquei apreensiva, pensando se esse não seria mais um filme com potencial totalmente estragado pelo excesso de efeitos especiais, como aconteceu com Sweeney Todd. Mas o filme me supreendeu de verdade.

Destaco a atuação de Johnny Depp, que, apesar de lembrar muito o Willy Wonka também dirigido por Burton anteriormente, deu alma a um Chapeleiro Maluco que eu sempre achei bem sem-graça no desenho da Disney. Helena Bonham Carter também foi fantástica, mas o grande campeão só pode ser o meu querido George McFly, Crispin Glover. Os três são mesmo os atores perfeitos para o estilo de Burton, e acho até que o Glover demorou demais para aparecer em um filme dele.

A parte chata do filme fica por conta da Rainha Branca, Anne Hathaway. Mas, sei que isso é culpa de Lewis Carroll, não de Burton. Como sempre acontece nas histórias infantis, as vilãs são sempre muito mais interessantes que as mocinhas.

Mas talvez  o maior mérito de Burton foi ter feito, mais uma vez, uma adaptação não-fiel ao livro - aliás, uma mistura de dois livros - tão bem feita. A história não se perde no meio do caminho, fluiu muito bem do começo ao fim, e mostrou uma Alice cheia de espírito e vontades próprias que jamais veríamos no desenho da Disney.

Já a trilha sonora, como não podia deixar de ser estando a cargo de Danny Elfman, foi ótima. Não temos nem como questionar suas ótimas composições, mas acredito que de tanto fazer as trilhas para filmes do Burton fica fácil reconhecer nelas um pouco de cada filme que ele já fez. Alice, ao meu ver, foi uma mistura de Edward Mãos de Tesoura, principalmente nas partes com coro, com Batman, nas partes mais tensas, de ação. Ponto para ele, porque as duas trilhas são ótimas mesmo.

O ponto baixo, devo dizer, são os créditos: o temido momento em que a música-tema, de Avril Lavigne, surge em nossos ouvidos. Tratei logo de sair correndo do cinema, como boa brasileira, mas tive que esperar meu namorado cinéfilo terminar de ler os créditos, o que resultou em uma tremenda dor de cabeça por escutar aquela menina berrando por mais de 2 minutos.

Mas isso é só um detalhe perto de tudo o que o filme foi. A parceria com a Disney tem suas desvantagens, é verdade, pois os cinemas estão super lotados à noite pelo fato de as seções do dia serem todas dubladas. Entretanto, acho que a divulgação do filme é justa para Burton, um diretor sempre tão renegado de fama e verbas para grandes produções. Ele merece destaque, e vê-lo com Alice, agora, me proporcionou um alívio tremendo depois do fracassado Sweeney Todd. Alice é, afinal, um filme que nenhum fã de Burton e nenhum fã de Carroll pode perder.

4 de abril de 2010

A dos bêbados

Não fosse pelo fracasso da humanidade em permitir o uso de substâncias tóxicas, os bêbados poderiam ser extintos da face da terra. Como os dinossauros. Só que os bêbados são pessoas alegres e amorosas, e os dinossauros eram grandes e espaçosos, ninguém gostava deles. Bêbados sempre fazem a felicidade da festa. Como palhacinhos amestrados,  que dançam e pulam para a diversão daqueles que ainda não estão bêbados. Até que...

- Nossa, tô bêbada pra &%$*!! Mas eu acho que Hitler fez um traba...trabalho mal feito. Ele não exter...terminou as coisas direito.

Porque os bêbados sempre se sentem no direito de dizer e fazer o que bem querem. Ainda mais se o bêbado em questão tiver razões psicológicas para se embebedar. E quando digo razões psicológicas, quero dizer razões amorosas, ou simplesmente amorososo-cornísticas.
 
- Bebo MEEEESSSSMO, sabe por quê? Porque sou COOOORRRR-NA, ninguém me QUEEEER!!! Se eu beber pelo menos fico mais bonita.

Mas não, não podemos reclamar. Nossa sociedade, mesmo com toda a sua superioridade perante às demais, permitiu que substâncias como o álcool, só para começar com as lícitas, fossem utilizadas. O que iremos argumentar, então? Vamos dizer que o álcool só pode ser ingerido por pessoas responsáveis, cujo poder intelectual seja superior à vontade de passar para situações ridículas.

- Ô DOMENIIIIICHE! DOMENIIIICHE!! Eu sei o que você fez na Páscoa passada, DOMENIIIICHE! Vou contar tudo pro seu namorado, DOMENIIIICHE!

O problema é que mesmo que você seja uma pessoa responsável e com poder intelectual superior à sua vontade de passar por situações ridículas, vem um bêbado e faz você passar pelo ridículo de qualquer forma. Aliás, quanto mais discreto voce quiser ser do lado de um bêbado, mais ele irá te perturbar.

Fazer o que, então? Mandamos prender? Mas eles não estão cometendo nenhum crime. Bebem o que está sendo vendido aí, livremente. E você pode querer usar as mesmas substâncias que o bêbado, com mais responsalidade, sem ser necessariamente um mal à sociedade.

Colocar o bêbado em extinção? Mas eles se multiplicam a cada bebedeira! Reproduzem-se com fertilidade sempre colocando a própria bebida como desculpa para seus atos, adúlteros ou não. Além do mais, uma caça aos bêbados hoje poderia gerar uma comemoração tão grande amanhã que seria necessário repetir a caçada várias e várias vezes, até que o completo extermínio da raça humana fosse atingido.

Então não nos resta outra alternativa: fujamos da festa e deixemos os bêbados para trás enquanto há tempo. Inconvenientes como gritos de fúria podem acontecer, mas é para o bem de todos. No final, o que importa é que eles sumam de nossas vistas, com seus hálitos desagradáveis e vozes esganiçadas. Vamos deixá-los soltos, mas sozinhos, condenados à prisão perpétua de sua solidão. Um brinde aos bêbados incovenientes que descansam em paz, longe de nós - saúde.

28 de março de 2010

A da igualdade, queima de sutiãs e outras anedotas

Estava lendo um artigo da Newsweek sobre uma garota chamada Jesse. Seu nome em si já foi uma tentativa de seus pais de fazê-la pertencer a um gênero "neutro". "Não tinha Barbies, tinha blocos de madeira", descreve ela. E conta como foi sua infância com um cabelo tigelinha e roupas nada femininas - até ela começar a falar e exigir um vestidinho rosa com um grande laço.

Sobre um assunto parecido fala o podcast da WNYC, relembrando os 40 anos de um processo movido por funcionárias da própria Newsweek. Na época, todas elas eram restritas à área de pesquisa, a mais baixa da revista, enquanto os homens ocupavam, além dos cargos mais altos, também as posições de repórteres e redatores. Depois de dois processos, elas conseguiram conquistar os cargos antes inalcançáveis.

Ainda hoje, nem tudo são flores na Newsweek. No podcast, uma redatora sênior mostra que das mais de 120 matérias de capa feitas, apenas 6 foram escritas por mulheres e, das 6, 3 foram co-escritas por homens, então apenas 3 são de completa autoria de repórteres e redatoras do sexo feminino.

O podcast serviu para que eu visse que a realidade lá nos EUA não é diferente da daqui do Brasil, como é de se imaginar. Nas duas últimas empresas em que trabalhei, os homens ocupavam os cargos de gerência para cima, com uma ou duas exceções. A maioria das mulheres gestoras eram coordenadoras ou supervisoras. Até o RH, área normalmente "feminina", era gerenciada por um homem.

Com sorte, porém, vejo que minha atual empresa está no caminho certo: Marjorie Scardino, a CEO global da Pearson, é apontada pela Forbes como a 17ª mulher mais poderosa do mundo. Uma mulher no comando de uma grande multinacional. Na Pearson Brasil, temos diretoras mulheres, inclusive na área Financeira e de TI, onde normalmente concentram-se homens. Temos mais editoras do que editores, mais designers instrucionais mulheres do que designers instrucionais homens etc. e tal. Mas será que essas diretoras, ou mesmo a poderosa Marjorie estão ganhando o mesmo do que ganhariam se fossem homens? Essa é a pergunta que não sei responder, porque não sei quanto elas ganham, obviamente.

No artigo da Newsweek, Jesse comenta que sua mãe pertenceu à 2ª geração de feministas: a que tentou igualar os sexos não apenas em direitos - como fez a 1ª geração, conquistando o direito ao voto, por exemplo - mas também em aparência. Era a geração que considerava que os gêneros eram apenas uma questão de criação, de berço, e que isso poderia ser neutralizado, como ela tentou fazer com a filha. É provável, mas pode ser que eu esteja bem enganada, que a frase de Simone Beauvoir, "Não se nasce mulher, torna-se mulher", sobre a qual comentei no post anterior, tenha sido inspiração para essa 2ª geração de feministas.

Felizmente, pertencemos à 3ª geração: a que admite a convivência do salto alto e da maquiagem com a inteligência e perspicácia necessárias para conquistar posições, salários e condições ainda não conquistados com o mesmo sucesso do direito ao voto. Apesar disso, é comum, e já foi tema de posts anteriores, a menção de frases como "Não sou feminista, sou feminina". Por que, se essa é uma questão tão anterior à geração das mulheres que mencionam esse tipo de pérola?

Mais uma navegada no blog feminista da Newsweek me surpreende: a famosa queimada de sutiãs jamais ocorreu. O que aconteceu foi que haveria uma fogueira "cerimonial" na frente do concurso de Miss America 1968 em Atlantic City, mas, não havendo permissão para a tal fogueira, as manifestantes decidiram jogar alguns símbolos opressores - como sapatos de salto alto, maquiagem e sutiãs - na chamada "Freedom Trash Can". Um jornalista do New York Post, que não sabia que a fogueira tinha sido cancelada, acabou escrevendo:

"Lighting a match to a draft card has become a standard gambit of protests groups in recent years, but something new is to go up in flames this Saturday. Would you believe a bra burning?"
Ou seja, sutiãs nunca foram queimados por nenhuma feminista, apenas jogados no lixo como protesto a um concurso de Miss America, que todos sabemos tratar-se da situação mais ridícula já inventada e que ainda acontece todos os anos.

Nossas bases, portanto, estão todas bagunçadas: passaram-se já 2 gerações e ainda o associamos a um evento que jamais ocorreu. Continuamos ouvindo frases ridículas e sem sentido sobre a igualdade, como se hoje em dia alguma mulher declaradamente feminista neste mundo tivesse a obrigação de se transformar em um homem para aderir ao movimento. E ainda aturamos uma indústria do padrão de beleza que vai dos concursos de Miss, passando pelos reality shows e chegando à Playboy.

A saída? Darwin aponta. A seleção natural é eminente: sobreviverão aquelas cujo poder for maior do que o limite de cartão de crédito do marido. Falo de poder intelectual, é claro. As demais, podem continuar renegadas por alguns anos às posições mais inferiores da cadeia feminina, posando nuas e sustentando o mercado de revistas femininas e programas vespertinos da TV. Mas elas desaparecem, eventualmente. Felizmente.

8 de março de 2010

A do Dia Internacional da Mulher

Já fiz diversos posts comemorativos ao Dia Internacional da Mulher nos mais diversos blogs dessa vida, mas nunca deixo de fazer outro porque considero a data realmente importante, apesar da grande banalização.

Explico. Houve o tempo em que a TV se ocupava de belas entrevistas, fornecidas pelas mais variadas donas de casa desse país, comentando como “cuidar da casa, do marido e dos filhos é tão difícil quanto trabalhar fora”. Nessa mesma época o varejo fazia ótimas promoções de panelas, eletrodomésticos e móveis de cozinha.

Hoje conquistamos um espaço mais realista nessa “mídia comemorativa”. Todos já têm plena consciência de que pouquíssimas mulheres são meras donas de casa (sem querer desmerecer o trabalho delas, mas, come on...). As propagandas têm toques de independência, reconhecem a complicação que é sair correndo de um lado pro outro com trabalho, marido, filhos, casa etc e tal.

Mas, infelizmente, ainda existe aquela pitada de sexismo quando se referem à mulher que precisa ir ao shopping e ao salão de beleza com frequência e não consegue em meio às suas atividades diárias.

Um momento de reflexão, por favor. Shopping? Salão de beleza? Estou para conhecer a mãe de família que tem tempo e que cogita gastar tanto dinheiro pra manter-se em atividades desse tipo com frequência. Pior ainda é a imagem da mulher que sequestra o cartão de crédito do marido para fazer “comprinhas”. Se vocês conhecerem alguém assim por favor me avisem: essa laranjinha podre precisa receber umas lições de Simone de Beauvoir.

Porém, a importância da data é justamente a reflexão. Onde chegamos? Onde queremos chegar? É suficiente ter liberdade para trabalhar nos mesmos cargos que os homens?

Uma rápida pesquisa no Salariômetro já nos mostra que não. Mesmos cargos, salários diferentes. E o tempo de licença maternidade e todas as injustiças que as mulheres acabam sofrendo nas empresas porque precisam cuidar de seu recém-nascido? Tudo isso precisa ser pensado. Sufrágio feminino não é apenas o direito ao voto e ao trabalho. O verdadeiro sufrágio é o respeito e a plena igualdade de direitos que só a consciência de cada um(a) poderá nos oferecer.

Enquanto isso, esteja a par de seus direitos como mulher e procure exercê-los sem querer tirar vantagem de tudo o que puder. Abra os olhos para slogans como “Independente sem deixar de ser mulher” – ninguém deixa de ser mulher se tentar ser independente. E, aliás, como dizia Beauvoir, “Não se nasce mulher, torna-se mulher” – mas isso fica para um outro post, quem sabe.

11 de fevereiro de 2010

A do lixo

Hoje peguei um cara jogando o papel de sua coxinha na calçada da Faria Lima. Por sorte, tinha um gari varrendo aquela mesma calçada, com a pá cheeeia de papéis nojentos como o da coxinha, bitucas de cigarro, caixinhas de suco (!!!) e por aí vai.

Mas, pera aí, porque o gari é obrigado a varrer tanta coisa assim? Com certeza não é porque ele pertence ao grau mais baixo da escala social. O normal seria ele ter apenas folhas na pá. Folhas das árvores de São Paulo...


...uhum.

O que acontece é que as pessoas adooooram falar mal do Kassab ou de quem for o prefeito (menos da Marta, “porque ela fez o corredor e o bilhete único”) e culpá-lo pelas enchentes dos últimos 918767689076 dias, mas se esquecem de todas as porcarias que jogam por aí. Já vi gente espremendo meio mundo dentro do ônibus só pra alcançar uma janela e jogar o papel de bala pra fora. Cadê os bolsos dessa pessoa? Não era mais fácil se espremer pra alcançar o lixo do ônibus?

Não que o lixo seja a única causa das enchentes. São Paulo é totalmente despreparada para tanta água em tanto asfalto, estamos cansados de saber. Mas dá uma olhada nas margens do Tietê ou do Pinheiros depois de um dia de chuva pra você ver se o lixo não ajuda.

Proponho uma união dos que, como eu, estão inconformados com a sujeira da cidade. Nossa abordagem precisa ser unificada, porém segmentada por público-alvo. Sempre que um porcalhão jogar sua sujeira, faremos uma rápida análise de seu perfil e agiremos da seguinte forma:

Abordagem revolucionária, para os teimosinhos

Parte 1


- Com licença, moço. Acho que você deixou cair esse papel de coxinha.
- Sim, joguei fora. Essa cidade já tá uma merda mesmo!

Parte 2

[Pega o papel e coloca dentro da camisa dele]
- O que você tá fazendo?
- Jogando lixo no lugar certo: lixo. Vê se para de ser porco pra depois não reclamar que perdeu tudo na enchente e culpar o governo pela sua falta de consciência. Porco nojento!

Abordagem pacífica, para os idosos

- Oi, senhora, tudo bem? Vi que você jogou esse papel no chão... que tal jogar naquela lixeira ali?
- Ah, minha filha, mas tá muito longe...
- Tá vendo aquela nuvem ali?
- Sim, o que tem, minha filha?
- Também está longe. Mas assim que ela começar a jorrar água, vai levar esse seu papelzinho pro Rio Pinheiros, aqui perto. Junto com todo o resto do lixo que as pessoas jogam todos os dias por aí, vai causar um lamaçal imenso nas casas das pessoas, transmitir doenças, causar trânsito, enfim, caos. Não é melhor ir até a lixeira?

Se a resposta for:
- É, você tem razão, minha filha.
[levanta e sai]

Mas, se a resposta for:
- Mas eu sou velha....
[Inicia a 2ª parte da abordagem revolucionária]

Abordagem rápida, para os apressadinhos

[Pega o papel jogado no chão]
- Oi, você deixou cair isso aqui!
[Joga o papel na bolsa/pasta do sujeito sem ele perceber o que é.]

Abordagem descolada, para os “manos”

- E aí, beleza?
- Qualé?
- Tá ligado aquele papelzinho ali? Vi que você jogou agora. Pô, cara, maneira na sujeira aí... a galera ta perdendo tudo nas enchentes, mais lixo só vai piorar a situação...

Se a resposta for:
- Tem razão, mano. Você é truta, vou jogar o papel no lugar certo.
[Levanta e sai]

Mas, se a resposta for:
- Aí, você não é minha mãe pra mandar em mim não, falou?
[Inicia a 2ª parte da abordagem revolucionária – e corre.]

Abordagem Rider, para as crianças

- Ei, menina, sua mãe não te deu educação não? Não pode jogar lixo na rua!
- ...
- Pode pegar o papel e guardar na sua mochila. Quando você vir uma lixeira ou quando chegar em casa é só jogar lá. Dentro do lixo, hein!

Se a resposta for:
- Tá bom, moça.
[Levanta e sai.]

Se a resposta for:
- Vai tomar no c*!

[Taca o Rider na bunda do mal criado. Se a mãe não tacou antes, você estará fazendo um favor pra educação desse mal criado.]

E se você não for bem-sucedido em suas abordagens, segmente mais os perfis, crie novas estratégias. O que vale é acabar com essa palhaçada.

Junte-se a esse movimento hoje mesmo! Por uma São Paulo sem papéis de coxinha.

25 de janeiro de 2010

Cruzou

a tênue linha (maldita linha) que separa a vida e a morte. Deixou uma multidão - bem grande mesmo - de familiares e amigos surpresos, inconformados em ver aquela pessoa alegre e brincalhona sem mais o mesmo brilho no olhar.

Deixou meu coração sem consolo, lembrando dos anos cheios de doces, músicas, pescarias, risadas... Da carroceria da Saveiro vinho, dos balanços especialmente construídos para nós, da piscininha improvisada, das fogueiras de São João, dos fogos de Reveillon... E da calça branca boca de sino que ele não usou esse ano - só esse ano - porque disse, rindo, que não estava servindo mais.

Deixou lembranças alegres como ele. E saudade.

Obrigada por tudo, vô querido. Vê se agora descansa, tá?

24 de janeiro de 2010

A de São Paulo

Em São Paulo, você certamente ouve pelo menos uma vez ao dia pessoas reclamando do trânsito e fazendo planos de mudança para o interior, exterior, ou qualquer outro lugar em que tenham uma vida mais tranquila. Pelo menos 90% delas não cumprem nada.

Difícil explicar porque todo esse caos é tão necessário em nossas vidas. Não há cidades melhores para morar no país? Todo mundo fala do bom planejamento de Curitiba, da qualidade de vida do Rio... por que ninguém vai pra essas cidades e deixa São Paulo um pouco mais vazia, com menos trânsito e menos lotação no transporte público, mais vagas de emprego e menos sujeira?

Porque todo mundo precisa dos salários mais altos pagos em São Paulo - e das empresas que estão aqui pagando esses salários - que, pior de tudo, nem são tão grande coisa assim. E porque, por mais estranho que possa parecer, temos uma verdadeira obsessão por essa cidade bizarra, que convive com Morumbi e Itaquera de modo tão estranho.

Admita, você gosta de contemplar a Av. Paulista de vez em quando enquanto pensa "Olha só, nossa Wall Street, que bonita...", entre uma buzina e outra. Ou de olhar pro Ibirapuera e pensar que ele até que é parecido com o Central Park, que a Ponte Estaiada é a nossa Golden Gate - e o fato de o Pinheiros River não ser a San Francisco Bay é mero detalhe.

São Paulo tem esse quê de primeiro mundo dentro do Brasil, um pedaço que não se encaixa no resto, de tão grande e caótico, esbanjando beleza e pobreza entre tão poucos quilômetros. Um lugar tão miscigenado quanto algumas cidades canadenses, mas que não teve nenhuma estrutura e planejamento para receber todo mundo, já que a ideia era "dar uma esbranquiçada" por aqui com sangue alemão. E aí a gente fica assim, vendo favela e Alphavile (que não é São Paulo, mas é como se fosse), um do lado do outro.

Não vamos embora. Temos orgulho do sangue paulista-italiano-alemão-espanhol-português-árabe. Gostamos de ir pra nossa China Town aos domingos, pra nossa Little Italy nas quintas-feiras... Gostamos da camada de poluição que forma o céu alaranjado do fim de tarde seco, das voltinhas no shopping confortável que nos abriga durante as enchentes...

Não é que gostamos do caos. Mas também não podemos viver sem ele.

É isso aí, São Paulo, 456 anos, nenhuma perspectiva de melhora, e continuamos aí com você. Não mude, viu?

3 de janeiro de 2010

A do trágico, a do cômico

Como estou abandonada em SP desde ontem, condenada aos freelas intermináveis que, quando terminam provisoriamente, me deixam sem nada para fazer, resolvi rever um filme do Woody Allen que adoro: “Melinda e Melinda”.

“Melinda e Melinda” é um dos novos de Allen, porém foi filmado antes de “Scoop” e “Match Point” (só não sei ao certo o ano). Quem diz que o velhinho está perdendo seu toque se surpreende com esse filme, com toda a certeza. Todo o argumento se passa em um jantar entre amigos, quando dois diretores teatrais discutem uma história que um deles ouviu tempos atrás. Um dos diretores acha que a história deve ser contada como uma tragédia; o outro, que deve ser uma comédia. E assim as duas histórias se intercalam, hora com ênfase na parte dramática, hora com ênfase na parte cômica.

De início, essas intercalações são mediadas pela própria narração dos diretores, até para que seja possível acompanhar com mais facilidade que história é qual. Com o tempo, memorizamos os atores de cada história (que são diferentes) e Allen deixa que os cortes tomem conta de cada uma das narrativas.

O que é interessante é que em cada história existe um mesmo fato que toma rumos diferentes quando visto sob outra perspectiva. Essas diferenças no modo como cada coisa é encarada fazem com que cada personagem tenha um destino distinto em cada uma das abordagens. Mas é impossível não notar que a narrativa cômica tem seus momentos trágicos, assim como a narrativa trágica tem seus momentos cômicos.

Já fazia tempo que não assistia a “Melinda e Melinda”. Dentro das limitações de um domingo solitário e cinzento, posso dizer que foi uma ótima escolha. E não deixa de ser um alerta a todos nós, neste começo de ano: em nossas vidas, o trágico e o cômico convivem o tempo todo. A diferença toda está no olhar.